Política

Sobre a nomeação de Ana Maria Souza na BPERS

Sobre a nomeação de Ana Maria Souza ao cargo de Diretora da Biblioteca Pública do Estado (BPE) e do Sistema de Bibliotecas Públicas do RS há muito a dizer. É uma discussão complexa, que foi simplificada e personalizada por razões, infelizmente, compreensíveis. Compreensíveis porque estamos no Brasil, país que historicamente negligencia suas bibliotecas. E piora, porque mais especificamente estamos no Rio Grande do Sul, Estado que ficou 30 anos sem concurso público para bibliotecário em governos que, independentemente do partido, não apresentaram políticas públicas importantes para as bibliotecas. Recentemente, o Estado realizou concurso para bibliotecário (em conjuntura que precisa de outro post para explicá-la), ampliando as possibilidades de nomeação para o cargo mais importante no setor bibliotecário em nível local. Apenas para esclarecer, essa notícia não é ruim, muito pelo contrário, é sinal de que as bibliotecas começam a receber recursos por aqui.

A situação das bibliotecas do Estado é gravíssima, muitos de nós estão se articulando para tentar contribuir com o suprimento destas várias carências históricas com impacto direto na qualificação da educação de crianças, jovens e adultos (sistema de bibliotecas escolares) e no desenvolvimento cultural de nossa população (sistema de bibliotecas públicas). Técnica e sinteticamente, eu gostaria de destacar alguns pontos:

As bibliotecas públicas se constituem como aparelhos culturais potentes que atendem, grosso modo, a dois públicos com necessidades opostas: 

a) os intelectuais, que precisam de recursos e ambiente para troca criativa;

b) o povo, que precisa do acesso a livros e a atividades educativas baseadas na leitura para:

– compreender e interpretar informações, desenvolver sua imaginação e cultivar sua curiosidade;

– localizar, avaliar e utilizar informações de forma crítica e ética fundamentais para a pesquisa escolar, evitando, inclusive, a propagação de notícias falsas;

– desenvolver habilidades sociais e emocionais, como a empatia, a compreensão interpessoal e a resolução de problemas;

– ampliar seu vocabulário, dominar a lógica da escrita e a desenvolver sua capacidade de se expressar com clareza e coesão.

A BPE é um símbolo de nossa cultura, que foi revitalizado pelo lindo e competente trabalho de Morganah Marcon, que tem reunido escritores e intelectuais em torno de inúmeras atividades em um prédio de beleza redescoberta por suas gestões.

Contudo, analisar os desafios do setor apenas pela atuação da BPE é deixar de fora da discussão o outro público: o povo. Um público que para ser atendido precisa de um investimento muito superior do Estado. Eu, particularmente, acho que as duas funções não deveriam ser acumuladas por uma mesma pessoa. Ambas são grandes demais, principalmente, considerando a deficiência quantitativa de bibliotecários no Estado (o concurso realizado é insuficiente para atendimento mínimo da demanda).

O fato de ter existido uma polêmica sobre a substituição de Morganah Marcon no cargo que ocupou por 20 anos é uma demonstração da importância de seu trabalho e do fato de que as bibliotecas começam a sair da invisibilidade. O aumento do quadro de bibliotecários e o surgimento de novos talentos também são importantes, principalmente quando personificados em uma figura como Ana Maria Souza, que ainda não conheço pessoalmente, mas que tem um excelente currículo para enfrentar os imensos desafios que a esperam. Desafios que ela não enfrentará só, pois contará com o apoio dos bibliotecários que têm trabalhado em diferentes esferas para criação de infra-estruturas de uso comum para fortalecimento das bibliotecas como recurso de desenvolvimento humano em nosso Estado.

No nível dos governos, as bibliotecas começam a ganhar espaço no debate das políticas públicas, o que é, certamente, resultado de um investimento concreto na melhoria da educação. Darcy Ribeiro disse: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é projeto.” Eu complemento: a educação só deixará de ser crise quando, entre várias iniciativas, contemplar um forte projeto e ação de bibliotecas.

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